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Encarnação, Reencarnação e Sincretismo

Em diferentes escrituras do oráculo se conta que quando Olofin deixou a seus seguidores o encargo do que acontecia na Terra, para se ocupar de outras questões universais, procurou o meio de evitar que a descida das entidades ao planeta ocorresse de forma desordenada.

Quando alguma entidade queria encarnar num futuro personagem, tinha que pedir permissão ao grande Olofin. Este, de acordo com Olodumaré, autorizava ou não a nova encarnação. Estabeleceram, então, a “porta do céu” como elemento interdimensional por onde as entidades teriam de passar para vir à terra. Ao cruzar esse umbral diminuía muito o seu poder espiritual. Assim podiam adaptar-se melhor ao arquétipo humano na vida terrena, ainda que superassem em muito os espíritos comuns.

Aconteceu que num conselho das entidades, Oduduwa, um dos três benfeitores, expressou a Olofin (Deus) o desejo de viver uma existência humana, e disse: “Grande irmão e poderoso senhor, uma série de desordens aconteceu nos desertos africanos, depois de se dissolver o império árabe. Numerosas tribos do sul do Saara emigram há dois séculos em busca de territórios mais pacíficos, e com o desejo de proteger suas crenças ancestrais.

Agora, a dinastia Fatimi, dominante no Egito, rodeou-se de um enorme exército que está ameaçando os próprios governantes, além de se dedicar a saques à população e atos de vandalismo. Os mouros que habitam o Sahel, a borda sul do Saara, vêem-se obrigados a continuar a retirada mais ainda para o sul, em direção ao Nilo Ocidental ou ao Níger. Estão espalhados pelos campos e bosques, desunidos, desconfiados por natureza, brigando entre si como selvagens. Portanto, peço sua licença para descer a esta região e civilizar essas tribos.”
“Assim seja”, respondeu Olofin. “Mas nascerás entre muçulmanos e percorrerás muitos caminhos antes de entrar na terra de tua missão. Em tua peregrinação, terás a possibilidade de adquirir cultura e habilidades que te serão necessárias para cumprir teus planos.”

Neste momento interveio Obatalá, o outro benfeitor, para dizer:
“Irmão, se Olofin aprova tua descida à terra, também peço licença para acompanhar-te. E como terás de cumprir alguns requisitos antes de chegar ao venturoso Níger, quero começar neste lugar o meu trabalho. Prepararei o caminho que meu nobre irmão irá percorrer, de modo que seja eu teu melhor aliado na Terra.”

Terminou de falar e, antes que Olofin pudesse expressar-se, um numeroso grupo de divindades se manifestou disposto a marchar junto com os benfeitores.

Foi quando esclareceu Ifá:

“Ilustres divindades, muitos encarnarão uma vez mais nas terras do Níger. Olofin, o de maior vidência, me determinou a ordem em que devem fazê-lo. Depois de Oduduwa, descerão Obatalá, Orishaoko, Oroinha, Nanã Buruku, Oluopopo e Akanabá, que formarão uma primeira geração de reis.

Numa segunda, irão Agayu, Babalu, Yemayá, Adanu Orixá, Ossaim, Dadá, Aremu e Eyuoró. Por último, descerão na terceira: Xangô, Oke, Ogum, Ossum, Oya, Oxossi, Oxum, Eleguá, Inlê, Yewá, Aroni” – e continuou a relação até concluí-la.


“Estas, com Oduduwa à frente, serão as divindades encarregadas de cumprir a missão, à que se somarão outras, depois de cumprirem suas encarnações atuais”, esclareceu Ifá.E disse:

“Agora faremos a relação dos poderosos e ilustres espíritos humanos que viverão nesta região.”

Antes de continuar, interveio Azowano:
“Irmãos, quero manifestar aqui meu desejo de partir às dimensões terrestres. Mas como até agora meu trabalho tem sido sobretudo destrutivo e tenho inspirado aos humanos um respeito baseado apenas no temor às minhas ações, se o grande Obatalá o permitir, serei seu companheiro e aliado nesta empreitada.”

Ao que Obatalá respondeu:
“Poderoso Azowano, Olofin, o distribuidor de tarefas, foi quem te deu as que agora cumpres com eficiência, portanto não tens que te envergonhar do teu trabalho. Mas se Olofin o aprovar, será um prazer tê-lo a meu lado. Assim poderás descansar um pouco de tua terrível missão.”

“Que assim seja”, disse Olofin, “já que é justo o pedido de Azowano. Mas tua vida será breve, porque as obrigações que tens a cumprir nestas alturas não permitem outra alternativa. Que Ikú não tente se apoderar de tuas legiões de entidades malignas e faça perigar o equilíbrio humano no planeta.”

Destacaram-se então durante estas encarnações o senhor Jesus, Rei dos cristãos, o magnífico Maomé, enviado de Alá, e Orumilá, o enviado de Ifá, além de outros seres resplandecentes a quem Olofin explicou:

“Ilustres e queridos senhores, solicito sua condescendência para estabelecer, sob o arco que o rio Níger traça com suas águas, uma civilização formada por alegres pessoas que praticarão suas crenças e cultos ancestrais, e logo assimilarão o de Ifá, que é o caminho da espiritualidade, já que agora não cabem em seus pensamentos outro tipo de conceitos religiosos. A própria vida, através dos séculos, fará com que o cristianismo, por um lado, e o islamismo, por outro, ir entrando em seus corações, o que aumentará o domínio dos espíritos humanos sobre a Terra.

Uma vez que a geração das entidades cumpra sua tarefa, o irmão Orumilá se encarregará de levar o culto de Ifá a esses homens. Ele próprio estará na segunda geração e irá compartilhar várias aventuras com muitas das divindades.”
Muito se alegrou Orumilá com a grandiosa tarefa que lhe encomendaram, e desde este momento começou a fazer seus planos para tal.

E então a reencarnação...

Ifá continuou com a lista de espíritos que ajudariam naquele trabalho. Tais assuntos foram discutidos no conselho das entidades que se ocupavam da vida no planeta, segundo consta no livro sagrado de Ifá.

É deste modo que continuou a cadeia da vida na Terra, onde os espíritos dos homens falecidos voltavam a encarnar. Mas quando os homens estavam possuídos, em algum grau, de sentimentos perversos, o resultado de suas ações nem sempre era o melhor que se poderia esperar, e seus maus atos diminuíam o valor deles na hierarquia de Ifá.

Determinaram então os três benfeitores que de acordo à vida transcorrida e os pensamentos bons ou maus emanados do homem nesse intervalo, assim como as boas ou más ações realizadas, logo que o espírito fosse liberado com a morte, seria feito um balanço dos valores obtidos, o que decretaria o novo tipo de existência a ser vivida em seguida.

Por isso a fome não deve ser acompanhada de maus sentimentos, nem o que vive na abundância deve gastar o que tem de forma vã, zombando dos humildes. Também não se deve invejar a sorte dos outros, pois ela é resultado do esforço de cada um.
Quem reforça a própria vontade para afastar as más influências, obrigando a mente a pensar nas virtudes e o corpo a executar boas ações, gozará do favor dos benfeitores, que levarão em conta essa acumulação de méritos e concederá liberdade ao espírito, ansioso para escolher seu destino futuro.

Por isto, todo iniciado, que de verdade o seja, deve aprender os ditados de Orumilá, para que não use com permissividade os segredos que lhe são revelados e não busque mais que sua grandeza espiritual e a de Ifá.

É o espírito que em certas ocasiões dá indícios de existências anteriores, pois até o mais simples dos mortais tenta, ao menos um dia, lembrar coisas que esqueceu com o tempo, ou tem a impressão de estar em lugares desconhecidos mas que lhe são familiares. Às vezes sente atração ou repulsa por uma pessoa que nunca viu antes. É comum os humanos se perguntarem: Por que coube a mim esta vida? E é raro alguém estar verdadeiramente satisfeito com a situação em que se encontra, porque esquece que tudo é conseqüência de seus próprios atos.

Orumilá aconselha meditar sobre estas coisas e buscar o silêncio para escutar o próprio espírito.

Se és iniciado, efetua periodicamente tuas limpezas rituais, observando os tabus que teu signo indica, e não comete atos que sejam condenáveis, para que a pureza de tua mente, de teu corpo e de teu periespírito permita que as vibrações do espírito te cubram por completo. Assim sentirás que existes na beatitude e na nobreza, porque existes antes e existirás no futuro, para grandeza de teu espírito, que ascenderá na hierarquia de Ifá.

Irmãos, somos o veículo que Ifá escolheu para voltar a esta Terra. Como é sabido por muitos aqui, chegaram a este lindo país alguns poucos sacerdotes de Ifá, desprovidos dos materiais necessários para a adivinhação e o exercício do culto, até encontrem a maneira de substituí-los por elementos da terra.

Tentaremos ser fiéis seguidores daqueles primeiros sacerdotes de Ifá, escravos em nossas terras, que viram na interpretação dos signos obtidos que algum dia, ainda que distante, seus descendentes romperiam as correntes da escravidão e do preconceito e fariam prevalecer o culto dos ancestrais. Reconstruindo pouco a pouco os livros sagrados, que hoje são muitos pela necessidade de unificar novamente a religião da qual são testemunhos, e os iniciados fazem todo um esforço pela grandeza de Orumilá e de Ifá.

E assim o culto a Ifá, que teve seu berço no antigo Egito, onde se manteve por milênios, e depois de ter chegado à bacia do Níger transportado por Orumilá, para ficar assentado e assimilado naqueles povos, emigra novamente depois de vários séculos, desta vez para as terras da América.

Ifá também ficou como divindade encarregada de duas terras, mas nesta de agora vinha cumprir com o oráculo que dezesseis séculos atrás previu Orumilá aos seguidores de Cristo no Egito, onde os deixou: que os caminhos de ambos haveriam de se reencontrar ao fim deste tempo, em lugares distantes.

Os homens brancos que dominavam as novas terras acreditavam no senhor Jesus, embora na prática nem de longe imitassem seu exemplo, pois eram violentos, vingativos e ambiciosos, como era prova o chicote com que batiam nos negros escravos. Apesar disso, com o passar do tempo, os dois lados foram misturando seus hábitos, numa combinação em que se integraram também os que vinham da Ásia, originando-se uma multi-mestiçagem, comum em nossas terras, com a fusão dos costumes e crenças religiosas, tal como se explica nos livros sagrados de Ifá.

E é por isto que o reino de Ifá prevalece e se mantém, apesar de ter chegado numa terra de adoção forçada, onde se impunha inicialmente aos escravos a adoração aos santos da religião cristã. Estes homens simples não viam inconvenientes em tais obrigações, pois se os santos tinham sido homens e mulheres endeusados por seus méritos, se pareciam então aos orixás de sua terra de origem. Dirigir-se às novas imagens com respeito e veneração constituía algo natural, assim como o faziam com suas divindades ancestrais, representadas por elementos da natureza. Para facilitar o culto, tanto a umas como às outras, acabaram por identificá-los entre si, de acordo com suas características e história.

Assim nasceu o sincretismo de nossos dias.

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